Publicado dia 5 de novembro de 2020

Jéssica Kuhn indica “Cisne negro”

 

i-PSIne 🎬:

“Cisne negro”
Nacionalidade: Estados Unidos
Ano: 2010
Direção: Darren Aronofsky
Gênero: Drama, suspense
Duração: 1:48
Plataforma: Tele Cine, Google Play, Claro Vídeo,  Apple TV, Locke

O Nina (Natalie Portman), uma jovem e obcecada bailarina, vê a chance de assumir o lugar de primeira bailarina da companhia com a aposentadoria forçada de Beth (Winona Ryder). Pressionada por Thomas Leroy ((Vicente Cassel), o exigente diretor artístico, ela passa a enxergar uma concorrência desleal em Lilly (Mila Kunis)

O título do filme, “Cisne Negro” faz referência a um dos personagens do “Lago dos Cisnes”, o famoso balé clássico do compositor russo Piotr Ilyich Tchaikovsky.

Excelente thriller psicológico, o filme é também um retrato perturbador do universo do balé profissional ao mostrar o desgaste físico e mental da profissão. Nina vive sob estresse e ansiedade constantes.

Poucos diretores de cinema sofreram tanto a influência da psicanálise quanto Darren Aronofsky. Se em 2010, na filmagem de “Réquiem para um sonho”, ele já deixou isso bem claro, onze anos mais tarde ele parece resolver dar uma aula de psicanálise. Poucos filmes possuem referências tão precisas e bem costuradas à teoria psicanalítica. Talvez apenas o forte “Anticristo”, de Lars Von Trier, seja tão categórico.

Em “Cisne Negro”, o foco central  está na relação mãe-filha. A mãe de Nina (Barbara Hershey), uma ex-bailarina que nunca alcançou a fama, tenta se realizar através da filha, ao mesmo tempo em que a inveja. A ausência da figura paterna criou uma relação de simbiose e dependência doentia entre as duas. Essa mãe, que com seu cuidado excessivo e constante nunca se separou da filha e não permitiu seu crescimento, demonstra um completa inconsciência do mal que faz para ela.

E é o real do olhar materno que invade o olhar narrativo da câmera, tornando algumas cenas profundamente perturbadoras. Esse intrusivo olhar materno remete a uma cena estranhamente familiar (o “unheimilich” de Freud) e o espectador, incomodado sob o olhar da câmera, certifica-se de evitá-lo.

A dificuldade de Nina para interpretar o personagem Cisne Negro está em entrar em contato com seu lado mais instintivo. O Cisne Branco é o Superego, o discurso da mãe que ela introjetou. Já o Cisne Negro é o Id, a parte inconsciente que só se interessa pela satisfação do prazer. Essa parte Nina recalca.

Nina é prisioneira do olhar materno, o gozo alheio deixa marcas no seu corpo, que ela fere. Automutilação, vômitos, falta de apetite… sintomas reveladores de seu intenso sofrimento psíquico.

Thomas, o diretor artístico, representa a figura masculina que pode cortar a sua relação doentia com a mãe, numa espécie de complexo de Édipo tardio.

Conforme Nina se aproxima de seu lado obscuro, maior a resistência e a culpa que sente. O ódio pela mãe, até então recalcado, começa a vazar (“retorno do recalcado”).

Há ainda referências à psicanálise lacaniana: a utilização de espelhos não é por acaso. É no espelho que Nina se confronta com a figura do outro.

 

Nina, eterna criança, pois sua mãe não a liberou para crescer, não teve estrutura para entender a natureza humana.