A angústia do segredo

Publicado dia 18 de maio de 2021

Jéssica Kuhn

Você sabia que guardar segredo pode fazer mal à saúde?

Não é uma tarefa fácil. Garantir que ele não seja revelado dá muito trabalho. É preciso ficar atento o tempo todo, controlando e prestando atenção ao que fala, como e com quem. Esconder algo carregando culpa, medo ou vergonha pode ser muito prejudicial para a mente.

E o que inicialmente seria para preservar a saúde mental, pode acabar se tornando motivo de adoecimento.

Essa constante vigilância esgota sua energia psíquica e pode causar aumento de ansiedade e até desencadear sintomas de depressão.

Um segredo pode trazer ainda mais angústia, pois muitas vezes está associado a situações traumáticas de abuso, bullying ou algum tipo de discriminação. A pessoa pode acabar ocultando algo como defesa, para não ter que lidar com o assunto. Mas o efeito é justamente o oposto, e muitas vezes o segredo pode se tornar um pensamento fixo, repetitivo e fora de controle.

Ter algo que volta de forma recorrente à mente causa estresse e desgaste mental, podendo trazer sentimentos de solidão e isolamento.

Se a situação não for tratada poderá ser somatizada e, além de provocar danos emocionais, ela irá gerar sintomas físicos como dores, fadiga, insônia e até compulsões.

Sem falar nos danos que pode causar nas relações interpessoais. E também na autoestima da própria pessoa que, por conta de um segredo, acredita passar uma imagem não autêntica, interferindo na sua segurança emocional e bem-estar.

Contar seu segredo pode lhe fazer bem

É válido dividir um segredo com alguém para aliviar o peso de carregá-lo e encontrar apoio emocional. A confissão pode aliviar uma angústia e, por isso, ser considerada tão necessária. Mas nem todos são confiáveis para ouvi-lo, não é mesmo?

É imprescindível saber com certeza em quem realmente se pode confiar, ou você pode aumentar ainda mais o problema. Falar com outra pessoa que não um profissional é uma atitude que deve ser bem elaborada. Busque alguém de sua inteira confiança, que você tenha absoluta certeza que lhe dará acolhimento, e não fará julgamentos

O segredo na psicanálise 

O segredo é  uma questão central da clínica psicanalítica e de qualquer outra psicoterapia.

E na psicanálise  ele assume vários aspectos.

Como sintoma, o segredo, para Breuer e para Freud, toma o valor de uma palavra que não se pode dizer, de uma voz que foi sufocada, e assim torna-se o parceiro positivo do trabalho analítico.

O sintoma histérico, por exemplo, aparece como tentativa de guardar o segredo, mas sem conseguir guardar também a violência da qual ele é portador.

A cura analítica pode então ser comparada com a confissão.

A experiência analítica convida-nos ainda a considerar dois aspectos fundamentais do segredo. Há os segredos voluntariamente mantidos e os segredos inconscientes dos quais o sujeito ignora ser o detentor ou o depositário. A análise busca reconhecê-los, elaborá-los e solucionar os sintomas causados por eles.

Há também o segredo sagrado do ponto de vista da ética profissional. Tudo o que será dito pelo analisando e ouvido pelo seu analista, tudo que for dito no consultório (ou no setting terapêutico online) permanece em segredo. Em segredo e sem julgamento.

E é bom que se saiba que a regra fundamental que instaura a relação analítica da psicanálise é “diga tudo que lhe vier à cabeça sem censura ou julgamento.” Essa regra, simplificada ao extremo na expressão: “dizer tudo”, é, como bem sabe quem arrisca segui-la, impossível.

Freud sabiamente notou que é mais difícil confessar seus fantasmas do que seus pecados. E é sobretudo necessário que qualquer analisando se sinta, ao mesmo tempo, autorizado ao direito de calar.

Mas acredite: confidenciar um segredo reduz a frequência com que ele retorna à mente em momentos diversos. Quando as pessoas encontram uma maneira mais saudável de pensar sobre seu segredo, pensam menos sobre ele e melhoram seu bem-estar. Às vezes, uma única conversa é o suficiente para aliviar esse peso e angústia.

E um profissional especializado em saúde mental, um psicanalista, pode ser a pessoa mais indicada para esse processo, que sem dúvida, é um processo de cura. Pense nisso.