Amor de selfie, eu nunca vi igual

Publicado dia 29 de junho de 2021

Jéssica Kuhn

Você sabia que a selfie não é uma descoberta dos millennials? A ideia e a prática existem desde o surgimento das câmaras fotográficas, porém o termo “selfie” só entrou no Oxford English Dictionary, um dos mais importantes da língua inglesa, em 2013.

Acredita-se que o americano Robert Cornelius tenha tirado a primeira selfie da história, aos 30 anos de idade, em 1839. A imagem que lhe exigiu que ficasse imóvel por 10 a 15 minutos – é o mais antigo autorretrato fotográfico intencional conhecido de um ser humano.

Com a popularização dos celulares com câmeras nos últimos anos, esse tipo de fotografia se tornou uma epidemia com nome: a selfie. “Selfie” é uma abreviação de “self portrait” , autorretrato em inglês.

O culto às selfies é tão grande que nos Estados Unidos, desde 2014, no 21 de junho, se celebra o Dia Nacional da Selfie. A data existe para homenagear esse estilo de autorretrato de alta tecnologia.

Mas por que gostamos tanto de fazer selfies? Será mesmo que até isso Freud explica?

Sim, Freud explica

Freud, o pai da psicanálise, popularizou várias ideias. Um de seus conceitos mais famosos para além dos de ego, superego e inconsciente, é o do narcisismo, o amor desproporcional por si mesmo.

Segundo a mitologia grega, o belo e jovem Narciso certo dia viu seu reflexo na água. Encantado com sua própria beleza, apaixonou-se perdidamente por si mesmo e não conseguiu mais parar de se olhar. Até que finalmente se afogou tentando abraçar a sua própria imagem. Foi o mito de Narciso que inspirou o termo narcisista.

E foi Freud o primeiro a descrever o narcisismo como uma patologia.

Freud pensava que o amor próprio exagerado poderia se tornar um problema a ponto de a pessoa excluir relações com os outros, como fez Narciso na mitologia.

Narciso e as selfies

E “se Narciso acha feio o que não é  espelho…” (como diz a música ‘Sampa’, de Caetano Veloso), certamente ele ama(ria) as selfies.

Nos anos 70, o sociólogo Christopher Lasch afirmou que a neurose e a histeria que caracterizavam as sociedades do início do século XX tinham dado lugar ao culto ao indivíduo e à busca fanática pelo sucesso pessoal e o dinheiro. Quase quatro décadas depois, a teoria de que a sociedade ocidental atual é ainda mais narcísica, ganhou força.

Segundo Jean Twenge, pesquisadora e psicóloga americana, o narcisismo tem crescido mais do que a obesidade nos Estados Unidos.

Em seu estudo intitulado “A epidemia do narcisismo”, ela conta histórias de pessoas comuns que chegaram a  contratar paparazzi para segui-las como se fossem famosas e jovens que fizeram várias cirurgias plásticas sem necessidade.

“Os narcisistas acreditam que são melhores que os outros, carecem de relacionamentos afetuosos, constantemente buscam atenção e valorizam a riqueza material e a aparência física”, escreveu Twenge.

Os narcisistas também tendem a ser mais ativos nas redes sociais; e publicar selfies está fortemente vinculado ao narcisismo.

Uma curiosidade: pesquisas indicam que o narcisismo patológico acomete mais o sexo masculino. A sua incidência é 40% maior entre os homens, se comparado às mulheres.

Uma “experiência a três”

Mas será que Freud entenderia e explicaria as selfies apenas sob a ótica do narcisismo da sociedade atual?

O psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP Christian Dunker, em seu canal do YouTube, acredita que não. E que o fenômeno engloba bem mais do que isso.

Ele explica que na questão da selfie não existe apenas uma relação do indivíduo consigo mesmo e a admiração da própria imagem. Na verdade, a selfie atual, postada em redes sociais para apreciação de outros, seria uma “experiência a três”.

“Essa hipervalorização do selfie não é um traço de que nós estamos nos hipervalorizando, é um traço de que nós estamos nos sentindo cada vez mais pobres”, explica o psicanalista.

Como a maioria das ideias de Freud derivam de suas observações cotidianas, podemos presumir que a Internet e toda a informação disponível hoje seriam um “prato cheio” para ele. Se ele estivesse vivo, provavelmente o fenômeno da selfie seria um de seus objetos de estudo.

Ele teria notado, como os psicólogos deste século já sabem, que muitas pessoas publicam selfies não porque estão apaixonadas por si mesmas, mas porque querem ser admiradas por outras pessoas que as seguem nas redes sociais.

Para Freud, essa necessidade de aprovação provavelmente pareceria neurótica ou histérica.

Todo excesso esconde uma falta

Ao contrário do que poderia parecer, a obsessão pelas selfies pode estar escondendo uma situação não muito confortável.

Diariamente e o tempo todo, somos bombardeados por imagens de outras pessoas que têm vidas e corpos aparentemente perfeitos.

Estudos recentes mostram que essa exposição excessiva, além de nos provocar algum sentimento da inveja, criam outros sentimentos como o de isolamento, insegurança e inadequação.

Nas palavras de Freud, nos tornamos mais neuróticos: “O objetivo da psicanálise é aliviar as pessoas de sua infelicidade neurótica…”.

Então, da próxima vez que você apontar a câmera para si próprio, lembre-se de Narciso e tente focar também seus amigos.

E se estiver complicado controlar suas selfies ou amenizar seu sofrimento com a sua autoimagem e a dos outros, lembre-se: você sempre pode contar com a ajuda de Freud e da psicanálise. A i-PSI está aqui para ajudar você nessa difícil relação com o espelho.

 

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