Jéssica Kuhn indica “O confeiteiro”

Publicado dia 29 de outubro de 2020

i-PSIne 🎬:

“O confeiteiro”
Nacionalidade: Israel, Alemanha
Ano: 2017
Direção: Ofir Raul Graizer
Gênero: Drama
Duração: 1:53
Plataforma: Telecine, Google Play, YouTube

O que você seria capaz de fazer para se aproximar de alguém que já partiu? Existe alguma barreira que deva ser respeitada?

Thomas (Tim Kalkhof) é um alemão calado, dono de uma confeitaria que viaja para Jerusalém em busca da família de Oren (Roy Miller), seu grande amor, que morreu. Juntos irão compartilhar uma tristeza inominável sobre o mesmo homem.

O primeiro longa do diretor Ofir Raul Graizer parece nos remeter a uma delicada fábula sobre a fluidez do apego e a permeabilidade das fronteiras, sejam elas históricas, políticas, religiosas ou emocionais.

Nesse filme, assim como na psicanálise, muitas respostas se encontram nas entrelinhas do silêncio que muito diz e nas diferentes perspectivas dos diversos olhares.

Um filme que fala de amor, luto e sexualidade e sobretudo da maleabilidade dos territórios quando se trata de preencher as carências humanas.

Ele nos remete àquela falta constitutiva, própria do ser humano, que passará a vida toda tentando preenchê-la, inclusive através do outro. Mas o outro nos é fugidio, o desejo do outro muda, oscila, é inatingível e intangível! O outro sempre pode ir embora, e muitas vezes ele vai embora para sempre: o outro, como se não bastasse, morre!

Thomas é um órfão que foi criado pela avó. Em uma determinada cena, ele diz a Oren que ele, Thomas, não é sozinho, pois tem a sua casa, o seu trabalho e o próprio Oren! O filme irá deixar claro que ele mentiu. A casa, se alguma vez ele teve, foi quando ele a compartilhava com a avó. Tanto assim que ele facilmente a abandona para sair sem rumo claramente definido. A Oren, ele nunca o possuiu, e ainda assim o perde (nós nunca temos o outro). A única coisa que ele verdadeiramente tem é o seu trabalho.

O título original do filme, “Cakemaker” (“O fazedor de bolo”), diz muito sobre o protagonista. A força e a sexualidade de Thomas está na potência do seu trabalho.

O trabalho é muito caro para Freud e consequentemente para a psicanálise. Em todo seu percurso, Freud utiliza diversos termos com a palavra “Arbeit” (que em português significa trabalho), dentre eles: “trauerarbeit” (trabalho do luto), “traumarbeit” (trabalho do sonho, elaboração onírica), etc.

Desde “‘Estudos sobre a histeria”(1895), é possível encontrar a ideia de que o paciente também tem que realizar um trabalho durante o tratamento analítico: o trabalho da análise. O trabalho é força de transformação.

Na cena inicial, Thomas está trabalhando a massa. A massa suporta o gozo e a dor. A sua linguagem é a comida. Linguagem libidinal que a sua sogra soube tão bem traduzir.

E lembrando ainda Freud, a pulsão sexual é o que nos move. Tanto faz com quem Thomas fica, ele está atrás de preencher esse vazio.