Jéssica Kuhn indica “O mínimo para viver”

Publicado dia 22 de julho de 2021

i-PSIne 🎬:

“O mínimo para viver”
Nacionalidade: Estados Unidos
Ano: 2017
Direção: Martin Noxon
Gênero: Drama
Duração: 01:47
Plataforma: Netflix

Alvo de duras críticas, “O Mínimo Para Viver” (“To The Bone”, título original) trata do tema dos distúrbios alimentares, mais precisamente da anorexia.

O filme causou polêmica por exibir diversas práticas reais de pessoas com distúrbios alimentares, o que poderia servir de incentivo a quem sofre dessa condição.

Além disso, muitos ficaram chocados com o realismo  com que o filme trata a questão, expondo de maneira explícita a imagem da magreza com ossos à mostra, e também  pela questão do emagrecimento da atriz Lily Collins, que vive a protagonista. A atriz não esconde seu histórico de transtornos alimentares e até por isso fez questão de encarar o papel. É importante frisar que a sua saúde foi supervisionada de perto durante todo o processo de pré e pós filmagem.

A diretora Martin Noxon, que também diz sofrer do mesmo tipo de distúrbio, afirmou que seu objetivo ao fazer o filme foi conscientizar o público sobre tais transtornos e combater a vergonha e o sigilo que os cercam.

Assim, Ellen (Lily Collins), uma jovem de 20 anos com anorexia grave, inicia um tratamento em uma clínica alternativa. Lá, conhece outros pacientes que enfrentam distúrbios alimentares e, através dessa convivência em grupo e com o terapeuta, entra em contato consigo mesma, com seu transtorno e história.

Ellen é filha de pais separados: sua mãe é bipolar e seu pai ausente. A única coisa que consegue controlar é o seu próprio corpo: controla o que entra e o que não entra. O seu corpo é usado como única ferramenta de controle de suas angústias.

Anoréxica, ela tem repulsa aos alimentos, sente-se gorda, faz exercícios para eliminar qualquer possibilidade de acúmulo de calorias.

Ao contrário do que muitos pensam, a anorexia não é a busca pela perfeição e pela beleza. É um grave sintoma de um grande sofrimento psíquico que expressa a dificuldade em lidar com as situações externas e as angústias da vida. A pessoa se volta para o próprio corpo como forma de obter algum controle.

“Você parece um fantasma” diz a mãe de Ellen, assustada, quando a vê durante a internação.

Um fantasma é um espírito sem corpo. E Ellen desaparece na tumultuada relação familiar: um pai ausente, três mães e nenhum colo. Ao menos há o abraço da irmã…

Ellen parece ganhar forma ao assumir um outro nome  – “Eli”, escolhido como seu – e assim deixa de usar o nome que também era de sua avó.

Uma das cenas mais fortes e impactantes do filme ocorre quando Eli vai ao encontro da mãe. “Eu estava em depressão após o parto, creio que não te segurei e alimentei como poderia”, diz a mãe, sentindo-se culpada. Nesse momento, com cuidado, a mãe a aconchega ao colo e Eli aceita uma mamadeira. É como se a mãe lhe dissesse: estou mais forte agora e já consigo lhe autorizar a viver sua angústia.

“Deveríamos poder deixar essas crianças irem até o fim”, diz o terapeuta.  Eli vai até o fim para descobrir  – após voltar ao seu começo, após deixar-se alimentar pela mãe – e perceber que quer viver, que pode perder o controle da sua alimentação para “o outro”, que pode se deixar envolver pelo colo de outrem.

Esse filme nos faz lembrar de alguns conceitos de Winnicott:

A mãe de Eli, deprimida, sem o suporte do pai, sempre ausente, conta que não pode segurar direito o seu bebê (“holding”).

De acordo com Winnicott, podemos entender que a mente surge como um ramo da psique na sua integração com o soma (corpo): “no início há o soma, e então a psique, que na saúde vai gradualmente ancorando-se ao soma. Cedo ou tarde aparece um terceiro fenômeno, chamado intelecto ou mente” (Winnicott, Natureza humana, 1988, p. 161).

Para Winnicott, “a integração também é estimulada pelo cuidado ambiental. Em psicologia, é preciso dizer que o bebê se desmancha em pedaços a não ser que alguém o mantenha inteiro. Nestes estágios o cuidado físico é um cuidado psicológico” (Natureza humana, 1988, p. 137).

Na anorexia, a desconexão entre o corpo e sua imagem e necessidades pode ser entendida como vestígio de alguma não-integração psique-soma.

Por isso, Eli precisa ir “até os ossos” para encontrar o seu corpo, as suas emoções, a integração perdida.

É importante apontar o paralelo simbólico sobre o não se alimentar e a não relação com a mãe. O alimento afetivo lhe foi negado durante seu desenvolvimento e é isto que Ellen conhece. Ao final, a própria mãe da personagem revela que não a amamentou, não a alimentou com afeto e que sofreu com depressão pós-parto.

O filme pretende conscientizar os familiares e aqueles que estão próximos, mostrando que a anorexia não é algo que é resolvido de maneira fácil, que “é só comer” (como disse a irmã de Ellen). É um problema de saúde mental complexo, cuja melhora depende de muitos fatores, principalmente o emocional.

A anorexia atinge todas as idades e gêneros. Casos graves devem ser tratados com equipes multiprofissionais. A psicanálise irá possibilitar a integração mente e corpo, permitindo e propiciando o encontro da pessoa consigo mesma de modo que ela possa verdadeiramente se conhecer, se aceitar e se amar.

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