Jéssica Kuhn indica “Os 12 macacos”

Publicado dia 4 de fevereiro de 2021

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“Os 12 macacos”

Nacionalidade: Estados Unidos
Ano: 1995
Direção: Terry Gilliam
Gênero: Mistério, ficção-científica, thriller
Duração: 2:09
Plataforma: Netflix, Now, Claro Video, Apple TV,  Looke

Não é exagero afirmar que “Os 12 Macacos” é a distopia da atualidade.

O filme de 1995 não poderia estar mais atual. A película parecia prever um futuro que nos lembra muito o nosso presente.

No ano de 2035, James Cole (Bruce Willis) aceita a missão de voltar ao passado para tentar decifrar um mistério envolvendo um vírus mortal que atacou grande parte da população mundial. Os poucos sobreviventes vivem no subsolo,  organizados em uma sociedade totalitária, dirigida por cientistas que têm a tecnología necessária para viajar no tempo.

Tomado como louco no passado, Cole tenta provar a sua sanidade para a médica Kathryn Railly (Madeleine Stowe), sua única esperança de mudar o futuro.

Para criar “Os 12 Macacos”, o cineasta Terry Gilliam (um dos integrantes do célebre grupo humorístico inglês dos anos 70, Monty Python), se inspirou no filme francês “La Jetée” (Marker, 1962), um curta experimental que virou um cultuado clássico da ficção científica.

Longe de se deixar levar pela ideia de recorrer a efeitos especiais, Gilliam optou por um thriller, no qual o protagonista deverá ir desamarrando todas as ações que deram lugar ao ocorrido a fim de obter uma cura ou frear seu avanço.

Bruce Willis brilha no papel de protagonista, encarnando um homem que, nascido no final dos anos 80, vê o mundo como ele conhecia desaparecer devido a um vírus.

Como antagonista, encontramos um Brad Pitt muito jovem, que ao tentar se desvincular da sua imagem sexy, nos brinda com uma genial interpretação da loucura.

A visão da espécie humana através das paredes de um manicômio traz muitas reflexões. O personagem interpretado por Brad Pitt, Jeffrey Goines, ganha especial relevância nestas sequências. Mas de alguma maneira, o fato do herói enviado do futuro, James Cole, estar submetido a uma situação como a do hospício, deixa bastante em evidência a nossa (não) compreensão da “loucura” e daquele que a sociedade chama de “louco”. O que nos remete a Foucault e sua “História da loucura na época clássica”, obra na qual se observa como o “louco” foi sendo visto de forma diferente ao longo do tempo na sociedade ocidental.

O manicômio se apresenta ante nossos olhos como um completo caos, um lugar que parece excluir todas aquelas pessoas que se afastam do establishment e que longe de reinseri-las, acaba por afastá-las completamente do sociedade.

Interessante prestar atenção à cena onde um dos pacientes do manicômio conta a James Cole uma história sobre extraterrestres e diz ter “mentalidade divergente”, o que mais uma vez nos leva a Foucault e também a pertinentes reflexões críticas sobre os DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).

Cole, por sua vez, talvez sofresse do “complexo de Cassandra” (também chamado “síndrome” ou “maldição” de Cassandra), um quadro no qual a pessoa acha que pode prever o futuro, mas se sente incapaz de mudá-lo. Este fenômeno curioso pode realmente atormentar quem é acometido por ele e faz previsões nas quais os outros não acreditam.

Na mitologia grega, Cassandra era uma das princesas de Troia, filha de Príamo e Hécuba. Segundo as lendas, era uma mulher bonita que foi abençoada com o dom de ver o futuro. No entanto, essa habilidade foi acompanhada por uma maldição: ninguém acreditava nela.

O filme está baseado em um protagonista que, apesar de ser o único que conhece a verdade, fica internado em um hospital psiquiátrico por ter um delírio paranoico. O espectador angustiado sabe que James Cole está completamente lúcido, mas o mundo não parece vê-lo da mesma maneira, e como consequência, o submete a um entorno quase mais inóspito e caótico que o próprio Apocalipse.

Outro aspecto especialmente interessante é como a distopia parece ser um gênero onde a mulher com frequência está excluída, ou parece encontrar-se em uma posição de maior vulnerabilidade. Nesse filme, o único personagem feminino relevante é a doutora Railly, uma psiquiatra que ajudará Cole em sua investigação. O que chama a atenção é o fato da personagem se construir em torno de um homem. Um homem que a sequestra e com o qual ela termina por desenvolver uma história amorosa (ok, talvez se trate apenas da famosa “síndrome de Estocolmo?). Mas de todo modo, eram os anos 90 e este tipo de abordagem não era ainda tão contestado como seria hoje.

Por fim, há ainda espaço no filme para trazer informações sobre a crueldade dos experimentos com animais, questão ética ainda bastante atual.

O filme nos deixa com um sabor meio amargo na boca: a sensação de que a humanidade parece estar condenada ao desastre, ao inevitável, diante de um inimigo invisível que nos mantém enclausurados (ou, como no filme, debaixo da terra) .

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