Algo por que viver
Publicado dia 16 de fevereiro de 2021
Maria Zélia Brito de Souza
Tenho pensado muito neste tema ultimamente. Talvez porque tenha encontrado no consultório, devido às mazelas do momento atual, em que todos nos encontramos privados de uma boa parte do convívio social e das distrações oferecidas pelo mundo, um bom número de pessoas vivendo fases depressivas em suas vidas – e quando analisamos mais detalhadamente sua rotina, chegamos à conclusão de que suas vidas se encontram sem um propósito, um objetivo que as sustente.
A Organização Mundial da Saúde inclui no seu conceito de saúde um item que muitas vezes é incompreendido: a espiritualidade. De acordo com o significado desta palavra adotado pela OMS, a espiritualidade é o conjunto de todas as emoções e convicções de natureza não material que pressupõem que há mais no viver do que pode ser percebido ou plenamente compreendido, remetendo o indivíduo a questões como o significado e o sentido da vida, não necessariamente a partir de uma crença ou prática religiosa.
Desta forma, vamos excluir neste momento da palavra espiritualidade o cunho religioso que muitas vezes está atrelado a ela. Pensemos neste termo, a partir do conceito adotado pela OMS para refletirmos de forma prática o que seria uma vida com sentido e significado, e que ao mesmo tempo nos proporcione saúde.
A busca pela realização material
O psicólogo americano Abraham Maslow (1908-1970) dispôs as diferentes necessidades de um indivíduo numa pirâmide, de forma hierárquica, das mais básicas para a sobrevivência até as mais complexas ou abstratas. Assim, na base da pirâmide estão as necessidades fisiológicas, seguidas da necessidade de segurança. Depois surgem as necessidades sociais e, na sequência, necessidades de estima, até chegar ao topo, onde encontramos as realizações pessoais.
Em sua teoria, Maslow considera que só sentimos desejo de satisfazer uma necessidade a partir da realização da necessidade anterior, ou seja, só é possível atingir suas realizações pessoais depois de ver resolvidas suas necessidades relacionadas à fisiologia, segurança, amor/relacionamento e estima.
Desde o início de nossa existência, na maioria das vezes, somos preparados para atingir objetivos de ordem material. Focamos quase a totalidade de nosso tempo nas duas primeiras fases da “Pirâmide das Necessidades Humanas” de Maslow, a fisiológica e a segurança. Quando muito, trabalhamos de forma superficial a fase social e estima. O lazer, a recreação e outras atividades que enlevem o nosso espírito são colocados em segundo plano.
Os jovens vão crescendo com objetivos claros e bem definidos de realizar as conquistas materiais e de status de pessoas bem sucedidas aos olhos da sociedade. Adolescentes e jovens que têm o desejo de buscar algo que lhes dê mais sentido no presente são, na maioria das vezes, incompreendidos. Isso causa sofrimento e pode levá-los a estados de angústia e depressão. Sentem-se fora deste mundo, e não é raro buscarem alternativas para escapar desta realidade, tanto nas drogas, no álcool, como muitas vezes querendo tirar a própria vida.
Nessa fase da existência humana, dita produtiva, estão em plena roda-viva e tempo é o bem mais precioso, pois é sempre usado para que possam trabalhar cada vez mais, produzir, realizar coisas e distrair-se com lazer que os libere da tensão do dia a dia. Há pouco espaço para outras atividades que realizem o seu lado humano no sentido mais amplo da palavra, ou seja, que alimentem o espírito.
Somente quando se desligam desta fase, ou se acontecer de a vida lhes tirar algo, seja o trabalho, a saúde, ou alguém querido, que perceberão que não cultivaram um propósito que lhes desse significado e os fizesse felizes. Geralmente, é neste momento de desaceleração que surge uma necessidade de preencher este espaço. Entretanto, ainda há o risco de repetir o padrão, buscando preenchê-lo com coisas aleatórias, que não os realizem como pessoas, ao contrário, podem levá-los a um estado depressivo e de solidão.
Portanto, é nas duas fases, a que antecede é a que sucede o período de alta produtividade, que o indivíduo se sente perdido, sem propósito, sem um sentido para a vida, e consequentemente, onde sente sua saúde física e mental prejudicada.
Onde está o sentido da vida
Não nos ensinam como lidar com isto, não nos ensinam este sentido da vida. O que fazer com nosso tempo livre se nada nos interessa. O que fazer além de trabalhar, consumir, buscar lazer?
Para os muito jovens que sentem este apelo interno de não se engajarem de imediato numa profissão, é necessário permitir que tenham novas experiências, que tenham dúvidas, um tempo para olharem para si mesmos e se conhecerem antes de empreender uma busca alucinante por uma carreira ou objetivo de vida.
Para os mais experientes, é o momento do encontro consigo mesmo, uma oportunidade única de buscar dentro de si as respostas que indicarão os novos rumos que queremos tomar. Aquele bem precioso, o tempo, agora se esparrama diante de nós se entregando e querendo nos abraçar. Se neste momento você trabalhou de alguma forma algum aspecto da sua vida que dê sentido à sua existência, se você conseguiu não ser escravo do tempo, mas ser o seu senhor e desenvolver interesses e habilidades extras, este momento se torna maravilhoso, porque você poderá se dedicar a estes.
Se não for o caso, vale a pena uma auto análise, vale revisitar aquele adolescente que deixou seus sonhos para trás – sempre tem pelo menos um sonho largado em algum lugar deste passado – retomar um projeto antigo ou criar um novo, buscar um novo sentido. Mas é preciso se reinventar, pois há muita vida ainda a ser vivida, e se você chegou até aqui, talvez seja para reaprender a viver, com sentido, com propósito. Este é o tempo de vivenciar a última fase da pirâmide de Maslow: as realizações pessoais.
Um propósito que nos faça felizes
Para cada um pode ser alguma coisa: morar em um lugar diferente, plantar uma espécie raríssima, viajar pelo mundo conhecendo lugares exóticos, se engajar em uma causa social, começar uma nova atividade profissional que lhe traga realização verdadeira, experimentar receitas diferentes, escrever um livro, visitar todos os melhores amigos de todas as fases, fotografar pássaros silvestres, aprender a tocar piano, ser um bom conhecedor de vinhos, falar uma língua estrangeira.
A Psicanálise pode ajudar neste processo de autoconhecimento do indivíduo, seja na fase em que o jovem busca algo que dê sentido à sua existência, seja na terceira fase da vida, onde a pessoa precisa reencontrar seus sonhos perdidos no mar do inconsciente. Através de um mergulho em si mesmo e com a ajuda de um analista você poderá revisitar toda a sua história e encontrar velhos projetos empoeirados nas memórias escondidas, ou inventar novos projetos através dos seus desejos, que talvez nem você lembre que existiam.
Um sentido para a vida nos proporciona saúde e bem estar, nos mantêm jovens, inspirados e, além de tudo, nos torna pessoas muito mais interessantes.
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