Jéssica Kuhn indica “Atypical”

Publicado dia 1 de abril de 2021

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“Atypical”

Nacionalidade: Estados Unidos
Ano: 2017-2021
Direção: Michael Patrick Jann
Gênero: Comédia, drama
Duração: 0:30 (três temporadas, com 8, 10 e 10 episódios)
Plataforma: Netflix

O espectro autista engloba perturbações no desenvolvimento neurológico que comprometem principalmente a comunicação, expressão de emoções e interação social. “Atypical” é uma série que aborda essa condição com doses  muito bem temperadas de drama e humor.

O protagonista, Sam Garner (Kier Gilchrist), nos apresenta o mundo visto através dos olhos do TEA (transtorno do espectro autista), algo fundamental para começarmos a compreender as dificuldades e necessidades especiais que esse transtorno requer. Afinal, o próprio diagnóstico (“dentro do espectro autista”) carrega uma inexatidão, que por si só já se constitui em um desafio.

E a cada episódio de 30 minutos, vamos descobrindo algo sobre o protagonista.

Como é viver sem simbolizações, entendendo tudo o que se ouve ao pé da letra. Por exemplo? O que significa ao pé da letra?

“Atypical” também oferece vários momentos de reflexão e empatia ao tratar certas questões do ponto de vista dos familiares e amigos, passando pelas dificuldades e conflitos despertados neles após o diagnóstico de espectro autista de Sam.

Logo no início, Sam se apresenta: “Sou esquisito. É o que todos dizem. Às vezes não entendo o que as pessoas querem dizer”. E mais pra frente ele declara: “Às vezes, eu queria ser normal”, e recebe a resposta: “Cara, ninguém é normal”.

E aí temos uma história em que todos os personagens se mostram únicos em suas questões, humanos em suas angústias e fragilidades. Não há perfeição em nenhum deles, apenas tentativas de viver da melhor maneira possível.

Uma típica família americana de classe média que tem de achar e adequar os seus papéis à realidade que lhes impõe um integrante com autismo.

Elsa e Doug, os pais de Sam, lidam o tempo todo com um filho fora dos padrões (do que seria a “normalidade”). A mãe superprotetora teme perder seu lugar na família à medida em que seu papel se reduz à maternidade. Frequenta um grupo de apoio, cuida e se preocupa com o filho e mais nada. E quando esse filho mostra não precisar mais de tanta presença materna, o que lhe resta? Como se redescobrir e reencontrar-se com os seus desejos?

Doug não consegue lidar com a realidade marcada pelo desencontro da fantasia de filho perfeito e vai embora. Ao voltar ele encontra dificuldade em criar laços com o filho. Mas eis que aos poucos e finalmente  esse encontro acontece.

Casey, irmã de Sam, é responsável pelo seu bem-estar na escola, ela o protege, o orienta e lhe faz companhia. Porém, diante de um irmão que demanda muito do olhar  dos pais, ela se ressente dessa falta de atenção para com ela. O quanto pode ser difícil, para os irmãos de pessoas com algum tipo de transtorno, essa falta de olhar dos pais? E o que dizer do peso da responsabilidade que muitas vezes sentem? O quanto, desde cedo, eles são treinados para ocupar o lugar dos pais na falta destes?

Relacionar-se é difícil. E é no núcleo familiar que aprendemos e construímos a base de nossas futuras relações. Mas é preciso sair um pouco desde lugar para enxergar que há outras formas de construir relações. Os amigos nos apresentam a elas.

Zahid (Nik Dodani) é o melhor amigo de Sam. Os jovens se conheceram no trabalho, uma loja de produtos eletrônicos, e Zahid apesar de sempre demonstrar cuidado e apoio, nunca o tratou de forma diferente, nunca se prendeu ao diagnóstico de autista de Sam. Falam sobre tudo, sem melindres. Esse amigo aposta na capacidade de Sam de conquistar uma garota, de namorar, transar e levar a vida.

Nós temos a possibilidade de escolher, desconstruir e repensar ao longo de nossas vidas qual importância daremos às diferenças que existem entre nós e os outros. E se essas diferenças limitarão ou expandirão nosso campo de visão.

Nós também somos diferentes do Outro e não apenas ele de nós, e isso é condição irreversível para se viver, pois a diferença existe e consiste nas relações. Não nos cabem rótulos, e a psicanálise está sempre a nos recordar isso.