Como a pandemia afetou a nossa vida sexual?

Publicado dia 15 de junho de 2021

Jéssica Kuhn

A covid-19 mostrou-se  prejudicial inclusive para a sexualidade.

Estudos realizados em 2020 no mundo todo indicam um declínio na atividade sexual dos casais, em decorrência do lockdown.

No período inicial da pandemia foi possível encarar os lockdowns de forma mais positiva, como uma pausa da correria diária e uma oportunidade para as pessoas se reconectarem aos seus pares passando mais tempo juntos, o que antes muitos só conseguiam fazer durante as férias.

Os fatores estressantes ainda estavam sob controle, a depressão não havia se instalado e muitos casais viveram uma espécie de “lua de mel”.

No entanto, à medida que a pandemia foi avançando e o tempo passando, a maioria dos casais sentiu o desejo sexual declinar afetando o relacionamento.

O papel do estresse na vida sexual

Se alguns encontram no sexo uma forma de escape à ansiedade e angústia que vivemos, outros podem perder o interesse e o desejo.

O aumento de preocupação, tensão, estresse e depressão relacionados à pandemia, bem como o próprio isolamento social e preocupações específicas com a covid-19, exerceram um impacto muito forte sobre a vida sexual, refletindo-se na diminuição da libido pelos parceiros.

O estresse intenso e prolongado tem impacto no cortisol (conhecido como hormônio do estresse) e também nos sistemas endócrinos interligados, entre eles o sistema reprodutivo e a parte metabólica, interferindo direta e indiretamente no desejo sexual.

Pessoas muito estressadas podem ter alterações no sistema reprodutivo, tendo como sintomas amenorreia (falta de menstruação) e disfunção erétil, entre outros.

O estresse também está correlacionado à depressão, e a depressão afeta negativamente o desejo sexual.

O que mais ajudou a acabar com o clima entre os casais?

Mas certamente houve também a contribuição de outros fatores para esse recolhimento da libido.

  1. Autoestima em baixa:

Afastadas de suas vidas sociais e profissionais pré-pandemia, as pessoas tendem a perder a referência de quem são, o que pode afetar a confiança e o desempenho sexual.

  1. Perda de emprego e oportunidades de carreira:

Para além das dificuldades financeiras, as carreiras são uma grande parte da nossa identidade. De repente, corre-se o risco de parecer que não há nada de significante em nós.

  1. Sobrecarga

As mulheres, sobretudo, assumiram mais responsabilidades para si, uma vez que as tarefas domésticas, a criação dos filhos e as demandas do ensino remoto recaíram desproporcionalmente sobre elas. Com tanta exaustão e sem tempo para si, como pensar em sexo?

  1. Excesso de convivência

Esse tempo maior juntos também pode diminuir seriamente o apetite sexual.

A superexposição ao parceiro fez com que os casais começassem a se criticar. E até mesmo hábitos pequenos e insignificantes  começaram a gerar irritação

  1. Falta de mistério

Para se manter o desejo, é preciso um pouco de distância a fim de resguardar um pouco de mistério em relação ao parceiro. Quando vocês se vêem o tempo todo, há menos assuntos a conversar, menos intimidade a preservar e a sensação de mistério vai embora.

  1. Ausência de sedução

O tempo todo juntos e em casa. Vocês já não se arrumam mais pra sair, o clima de um jantar romântico fora de casa nem pensar, o cineminha de fim de semana virou Netflix todas as noites…  E sedução virou apenas nome de chocolate.

*  E agora, o que fazer?

Embora a pandemia, que tanto influenciou nesse contexto, esteja ainda presente com todos os seus efeitos sobre o nosso modelo de vida, ao tentarmos compreender o problema e pensarmos sobre ele podemos encontrar alternativas – cujo funcionamento dependerá, é claro, da dinâmica de cada relacionamento e da forma de pensar e sentir de cada um.

Algumas sugestões seriam:

  • Ser criativo e criar novos hábitos

Procure viver a sexualidade de forma diferente. As experiências sexuais são resultado da interação complexa de estímulos físicos, visuais, auditivos e psicológicos que não requerem, necessariamente, contato físico.

Por que não criar encontros virtuais, partilhar músicas ou escrever uma carta de amor? Partilhar de fantasias e sonhos também pode ser afrodisíaco.

Experiências como o sexting (mensagens de sentido sexual) também podem funcionar, mesmo que o casal esteja na mesma casa.

  • Aprender mais sobre sexualidade

Sozinho ou em casal, leia livros ou veja documentários sobre sexualidade. Poderá ser uma oportunidade para descobrir novas formas de ter prazer.

Na plataforma de streaming Netflix estão disponíveis, por exemplo, a série documental “Sex Explained” (“O Sexo Explicado”) e a série de ficção “Sex Education”.

  • Conversar abertamente com seu par

A expressão dos sentimentos e a comunicação acerca da sexualidade contribui para o aumento da satisfação sexual.

Assim, não tenha vergonha de falar com o seu parceiro/a sobre as suas necessidades, desagrados e receios, procurando resolver os constrangimentos que surgirem.

  • Investir na intimidade

É fundamental criar e partilhar momentos de bem-estar, não só para atividades sexuais, mas também para oferecer apoio emocional à outra pessoa.

Para os casais com filhos, é importante   “criar um espaço” no dia para usufruir da companhia um do outro.

  • Aceitar as dificuldades

Finalmente, “aceitar possíveis dificuldades” é fundamental para cuidar da sexualidade e intimidade na pandemia.

É importante aceitar que a covid-19 tem repercussões na vida sexual e que dificuldades como a ausência de desejo ou excitação são naturais e, aliás esperadas. É preciso aceitar estas dificuldades e recusar sentimentos de culpa se eles surgirem.

É hora de fazer terapia de casal? 

A busca por terapia de casal aumentou bastante no último ano, porque os casais passaram a ter que lidar com problemas que vinham de antes. Não é a pandemia que provocou o aumento do número de divórcios, mas questões mal resolvidas chegaram ao limite porque não temos mais um mundo exterior para nos distrair.

Com a possibilidade de atendimentos terapêuticos por videochamada, o casal ganha essa opção de cuidado da relação mesmo sem sair de casa.

A psicanálise é uma ferramenta essencial para compreender como o cenário pandêmico está afetando também nossos laços.

E apesar do estranhamento em relação à falta de desejo ser algo que chama a nossa atenção, é preciso destacar que nada nesse cenário é definitivo e que não dá para esperar reações normais em tempos tão estranhos. Afinal, a prioridade agora é sobreviver.

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