Como escutar o inconsciente

Publicado dia 30 de março de 2021

Jéssica Kuhn

Se a psicanálise é “a cura pela fala”, a escuta é o que melhor define a nossa prática. É através do discurso que o sujeito revela seus sintomas e é através da palavra que pode livrar-se daquilo que o incomoda. É a escuta especializada do analista que permite àquele que sofre encontrar-se naquilo que diz.

A escuta é fundamental em análise, e à primeira vista pode-se imaginar como algo automático, mas não é. A escuta analítica é uma escuta profissional, e bem diferente da escuta leiga, aquela de amigos, colegas ou familiares.

Como bem exemplificou Christian Dunker, psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP, “é como ouvir uma sinfonia se você é especialista em música. Muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, e você precisa acompanhar as cordas e os sopros, o coro e a percussão, sem perder a experiência de conjunto.”

A escuta do analista pretende ler o que escapa aos outros campos do discurso: lapsos, atos falhos, sonhos, lembranças e esquecimentos, sintomas, gestos, olhares, repetições, hesitações, pausas e silêncios…

Sim, até o silêncio é escutado pelo analista, que bem sabe que muitas vezes essa ausência de palavras fala muito mais alto do que o grito e pode ser mais significativo e pungente do que o choro!

E mais, ouvimos a repetição como sintoma. Se as mesmas histórias são contadas novamente é porque demandam interpretação. E por isso muitas vezes não as ouvimos como repetições. A mesma fala dita em outro momento é ouvida como outra fala. A história muitas vezes é recontada de maneira diferente. Há algo de novo para escutar. É preciso estar atento.

Nós também escutamos o seu corpo, ouvimos o seu gesto, pois sabemos que o corpo fala e muito.

Psicanalistas estão atentos às palavras que seu analisando emprega, como ele as escolhe, se elas se repetem ou se é a primeira vez que elas aparecem.

E mais, quando escutamos nossos pacientes temos que fazer duas coisas opostas ao mesmo tempo: olhar aquela vida de longe, de forma imparcial, ao mesmo tempo que precisamos vê-la por dentro, pelos seus pontos de vista, segundo seus valores, crenças e desejos.

O analista escuta o discurso de seu analisando sem se prender àquilo que está sendo dito ou sem se restringir à sua queixa.

A análise possibilita ao sujeito descobrir acerca do desejo inconsciente que o mantém ligado ao sintoma. E é exatamente a linguagem do inconsciente que nos interessa escutar.

O objetivo dessa escuta especializada é permitir ao analisando organizar-se em seu discurso, desatar o nó e encontrar o fio que irá conduzi-lo à saída do labirinto de seu próprio desejo.

Ocupamo-nos especialmente de seus medos, fracassos, impedimentos, doenças… Pois sabemos que o que dizem ou deixam de dizer tem consequências na saúde física e mental e no bom andamento de suas vidas.

Daí a importância de ouvir com método e atenção. E não apenas com os ouvidos.

 

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