Jéssica Kuhn indica “Mucize”
Publicado dia 6 de maio de 2021
i-PSIne 🎬:
“Mucize”
Nacionalidade: Turquia, Alemanha
Ano: 2015
Direção: Mahsun Kirmizigül
Gênero: Drama, romance
Duração: 2:16
Plataforma: Netflix

Baseado em fatos reais, “Mucize” (“milagre”, em turco) conta um período da história do professor Muallim Mahir (Talat Bulut). Em meados da década de 1960, ele foi enviado para uma região remota e montanhosa da Turquia para lecionar para a população de um pequeno vilarejo. Lá, ele conhece Aziz (Mert Turak), um homem com uma deficiência congênita (não fica claro qual a doença, se uma distrofia muscular ou algum grau de paralisia cerebral) e que terá sua vida completamente transformada.
Aziz não fala e é motivo de chacota para as crianças da aldeia. Ele só “conversa” com o seu cavalo. Até que o professor, aos poucos vai lhe ensinando a falar, desenhar, escrever… E como é emocionante ver Aziz entrar na linguagem.
O sujeito da psicanálise é o sujeito do desejo, delineado por Freud, marcado e movido pela falta. Esse sujeito se constitui pela inserção em uma ordem simbólica que o antecede, atravessado pela linguagem, tomado pelo desejo de um Outro e mediado por um terceiro. É esse um dos belos milagres de que não nos damos conta e que vemos acontecer no filme.
Ao longo de 136 minutos, o filme traça uma árdua trajetória de superação, altruísmo, amizade, amor, inclusão escolar e inclusão social, mas não sem antes romper os obstáculos da autopiedade e do preconceito, esse último talvez o mais difícil de todos.
E nessas duas horas, outro milagre acontece do outro lado da tela. O espectador consegue superar o preconceito e amar Aziz, enquanto lhe são mostradas imagens da pobre figura torta, que grunhe e baba.
A interpretação de Mert Turak, notável em seu papel de deficiente, tem uma grande parcela de responsabilidade nisso.
“Narciso acha feio o que não é espelho”. Mas é mais que isso. É o medo da alteridade, do Outro, do diferente, do desconhecido, que nos assusta, que não compreendemos e com o qual muitas vezes não sabemos lidar. Ao mesmo tempo, é ele quem muito tem a nos ensinar.
O milagre que se opera no filme na verdade são muitos e todos eles não vêm diretamente de Deus, são até bem terrenos. O humanismo mostra aqui toda sua força em uma rica troca de experiências que é a vida.
Filme belíssimo, com algumas pitadas de humor, comovente e com uma fotografia de tirar o fôlego. Imersos que estamos em tempos onde o que mais vemos são manifestações de violência, preconceito, conflito, ódio, insegurança, medo, doenças, desprezo pela vida, um filme como esse chega como um presente dos mais preciosos.
Lisa