Jéssica Kuhn indica “My happy family”
Publicado dia 3 de fevereiro de 2022
i-PSIne 🎬:
“My happy family”
Nacionalidade: Geórgia, Alemanha, França
Ano: 2017
Direção: Nana Ekvtimishvili, Simon Groß
Gênero: Drama
Duração: 02:00
Plataforma: Netflix
De que modo as algemas da tradição silenciam uma mulher que há muito já não se reconhece? Essa é a questão sobre a qual gira a narrativa desse excelente filme georgiano.
“My Happy Family”, filme de 2017, dirigido por Nana Ekvtimishvili e Simon Groß (os diretores são casados – Nana é da Geórgia e Simon é alemão – e se conheceram na escola de cinema de Munique), é uma jóia rara. Rara pois praticamente não temos acesso ao cinema feito na Geórgia; e jóia pela brilhante abordagem de um tema universal fartamente explorado. A obra nos dá um vislumbre da sociedade georgiana em seu processo de modernização que, não raro, conflita com o tradicionalismo.
Manana (Ia Shugliashvili), uma professora solitária e infeliz, vive na Geórgia, país localizado na Europa Oriental. Mãe de dois filhos, mora com o marido na casa de seus pais. Tendo a vida atrelada a todos os membros da família, a mulher decide sair de casa ao completar 52 anos. Começa, então, uma viagem para o desconhecido.
Mas essa não é apenas a história de uma mulher de meia idade que vive em um país longínquo da Europa oriental. Essa é, de certo modo, a história de quase todas (se não de todas) nós, mulheres.
Geórgia, um país do qual pouco se ouve falar, com um idioma estranho aos nossos ouvidos e um alfabeto aparentemente indecifrável… Mas que surpreendentemente (?) tem muito em comum com o Brasil, especialmente quando o assunto é a família de classe média branca heteronormativa monogâmica ou, mais especificamente, o papel da mulher na família dentro de uma sociedade patriarcal.
O filme explora as relações de poder não só no casamento mas também entre outros membros da família de diferentes gerações que insistem em ajustar e manter Manana presa a um papel social pré-definido.
A narrativa escancara sutilmente como é ser mulher em uma cultura dominada pelo poder masculino, ao mesmo tempo em que explora a determinação de uma mulher em tomar as rédeas de sua própria vida
O filme ilustra bem como se dá o processo de tornar-se si-mesmo para uma mulher presa a esse contexto. E não dá para esquecer o quanto a psicanálise muitas vezes participa e propicia esse processo. Assim como também é impossível deixar de lembrar da contribuição de autoras que trabalharam o tema do feminino na sociedade, como Simone de Beauvoir, Natalie Rogers e Barry Stevens.
Podemos ter dois olhares para a personagem principal. Um que a coloca na posição de vítima das estruturais sociais vigentes. Outro, onde Manana é um sujeito ativo que, inconformada, luta para se libertar e construir práticas libertadoras (em seu apartamento).
Ainda sobre a parte técnica da obra, é curioso notar que a maioria dos atores, entre eles Ia Shugliashvili (Manana), trabalharam somente em teatro. E mesmo assim, não há nada de teatral nas interpretações, todos “vivem” seus papéis com a maior naturalidade.
Outra curiosidade é que não há trilha sonora musical. Ruídos ambientais compõem a trilha do filme. E há muita música diegética (oriunda da ação que acontece em cena), tocada e cantada no desenrolar das cenas.
O filme segue à risca a recomendação tolstoiana de cantar a sua aldeia para ser universal..
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