Jéssica Kuhn indica “Whisky”

Publicado dia 15 de julho de 2021

Jéssica Kuhn indica “Whisky”

 

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“Whisky”

Nacionalidade: Uruguai
Ano: 2004
Direção: Juan Pablo Rebella, Pablo Stoll
Gênero: Comédia, drama
Duração: 01:39
Plataforma: Netflix

“Whisky”, filme de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll, é um dos longas mais importantes do cinema uruguaio contemporâneo. Ele narra a estória de Jacobo (Andres Pazos), um homem de 60 anos que vive sozinho desde a morte de sua mãe. Desde então, sua única alegria na vida é a pequena fábrica de meias que possui. Um dia, seu irmão Herman (Jorge Bolani), que vive no Brasil e também tem uma fábrica de meias, retorna para Montevidéu após vinte anos. A visita desperta em Jacobo a velha competição existente entre os irmãos, que faz com que ele faça a Marta (Mirella Pascual), empregada em sua fábrica, uma proposta inusitada: que ela se passe por sua esposa durante a visita de Herman.

Em “Whisky”, mais do que a rotina demolidora há a solidão e os silêncios. Silêncios do cotidiano, dos ressentimentos, do afeto, da inércia… A chegada de Herman Koller é o gatilho para que os silêncios do filme comecem a falar.

Em “Luto e melancolia”, Freud define o luto como reação a uma perda, quer seja de um ente querido, quer seja de uma abstração que ocupa seu lugar, como pátria, liberdade, um ideal, etc. O pai da psicanálise aponta que sob as mesmas influências, observamos em algumas pessoas melancolia em vez de luto, e diferentemente deste, a melancolia não  aponta para a superação.

“A melancolia, se caracteriza em termos psíquicos, por um abatimento doloroso, uma cessação do interesse pelo mundo exterior, perda da capacidade de amar,  inibição de toda atividade e diminuição da autoestima, que se expressa em recriminações e ofensa à própria pessoa e pode chegar a uma delirante expectativa de punição” (Freud, em  “Luto e melancolia”).

Esta definição de melancolia caracteriza o personagem de Jacobo. O apego de Jacobo à sua casa e à vida que levava (seu porto seguro) nos faz perceber  a impossibilidade dele superar suas perdas. A falta de movimento para mudar a realidade. Seus desejos e sentimentos foram de tal modo silenciados que ele é incapaz de proferir o que sente.

Jacobo não aceitou a perda do passado. O golpe e o luto com a partida de Herman afetou a sua relação com as pessoas. Ele não soube e não sabe perder porque talvez não tenha sabido encontrar uma contrapartida válida para a perda.

A síntese do filme é a monotonia versus a mudança. Jacobo permanece durante o filme na pura repetição, no tedioso do cotidiano, no passado com uma mãe morta. E quantos pacientes recebemos assim em nossos consultórios!

Em “Whisky”, um homem rabugento se torna protagonista de uma história de afeto ausente de expressões e intenções claras, sem que ninguém deixe de ser como é para que aconteça em sua beleza de não-realização. E seu gesto final denuncia que o que ele, Jacobo, sente não lhe cabe mais na rotina que tanto preza – mesmo que na forma de um vazio acolhedor, ele sabe. E se protege.

E Marta? Marta se transforma. Se de início a vemos com a mesma atitude de Jacobo, vivendo a mesma vida de seu esposo ficticio, ela acaba por querer algo mais, algo diferente. Ela acaba por responsabilizar-se por seu desejo e escolhe um futuro diferente ao que lhe esperava se permanecesse sempre igual. E é esse movimento de Marta que a psicanálise proporciona. É esse responsabilizar-se por sua própria vida que a análise propicia. E isso é verdadeiramente libertador! Um brinde à vida!

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