Ao contrário do que muitos possam achar, o luto não se refere apenas ao processo psíquico que se dá diante da morte de alguém. Na verdade, durante a nossa vida, enfrentamos diversas perdas (término de namoro, aposentadoria, divórcio, demissão, o casamento de um filho, etc) que exigem de nós um doloroso trabalho de elaboração. O luto é portanto, um processo pelo qual passamos logo após a perda de um vínculo significativo.
Luto – um processo a ser compreendido
Publicado dia 30 de outubro de 2019
O luto é inevitável, e cada pessoa o vivencia de um modo próprio e muito particular. Mas como a experiência individual sempre está inserida em um contexto de “vida diária”, o luto está muito ligado ao lugar onde se vive, à época, à cultura. Daí a importância dos diversos rituais que as diferentes culturas encontram para lidar com ele. Os rituais marcam o final de uma etapa e o início de uma nova fase em nossas vidas.
Embora não seja realmente possível nos prepararmos para uma perda, a nossa sociedade não permite que a vivenciemos de uma maneira saudável. Hoje é praticamente uma obrigação estarmos felizes e sorridentes o tempo todo. Infelizmente, em nosso meio as crianças e também os adultos são protegidas da morte, como se a morte não existisse. Essa fuga de enfrentamento de uma realidade que nos parece tão dolorosa e cruel é responsável pelo aumento do sofrimento e da dificuldade em lidarmos com a morte: a nossa e a de pessoas queridas.
A função do luto
Será que a vida de fato acaba ou precisa acabar quando perdemos algo ou alguém que amamos? Ou, por outro lado, nessas horas dá pra continuar vivendo normalmente como se nada houvesse acontecido?
Se no primeiro caso estamos nos recusando a ver que ainda há uma vida à nossa espera e no segundo apenas tentamos varrer a tristeza para baixo do tapete, qual seria a maneira “saudável” e “sustentável” de atravessar esse período sem comprometer os projetos e perspectivas de vida?
Nessa horas, é necessário um verdadeiro trabalho psíquico, lento e doloroso, de reconstrução e reorganização de nossa psique e de nossa vida para lidarmos saudavelmente com as nossas perdas, um processo que Freud (em “Luto e Melancolia”, 1917) chamou de “trabalho de luto” (“Trauerbeit”).
Para Freud, o luto é caracterizado por um conjunto de reações psicológicas conscientes ou inconscientes, que o indivíduo vivencia logo após uma situação de perda. É uma reação natural, de tristeza e não necessariamente se trata de superação ou esquecimento, e sim de adaptação a novas condições de vida.
Freud diz que o luto termina quando a gente sente que aquilo que foi perdido faz parte de nós. E a partir daí podemos criar novos vínculos e seguir adiante com a nossa vida, ainda que constantemente a saudade nos visite.
As cinco etapas do luto
Embora não seja um processo linear, o luto pode ser didaticamente dividido em cinco fases. A maioria das pessoas irão desenvolver ao menos dois dentre os cinco estágios do luto, e não necessariamente seguindo esta ordem: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação.
– Negação – a não aceitação e a recusa em acreditar na perda. A negação da realidade como defesa contra um sentimento de dor e de angústia avassaladores. Pode durar horas ou semanas.
– Raiva e culpa – os sentimentos de raiva contra o morto e culpa por não tê-lo amado o suficiente se alternam. Não aceita a perda e se revolta contra ela. Surgem os questionamentos: por que isso aconteceu comigo? O que fiz para merecer isso? E se eu tivesse impedido? Eu deveria ter tido mais paciência…
– Negociação – a pessoa busca alguma forma de mudar aquela situação que está lhe causando tanto sofrimento, é uma tentativa para as coisas voltarem a ser como antes – como, por exemplo, no caso em que o pensamento se volta para um possível reencontro após a morte.
– Depressão – fase crítica e delicada onde começa o entendimento da perda e a percepção de que, de fato, as coisas não serão mais como antes. Sensação de perda imediata de sonhos, projetos, mudanças e insistentes lembranças associadas à pessoa. Muita tristeza e dor é vivenciada nessa fase, mas passar por ela é essencial.
– Aceitação – a perda passa a ser vista com um outro olhar, e pode ser aceita com mais tranquilidade e equilíbrio.
Quando o luto se torna patológico
Vale lembrar que luto não é doença. Luto não é depressão, não é estresse pós-traumático. Luto é luto, e como tal precisa ser vivenciado. Mas é verdade que o luto também impacta o nosso organismo. O sistema imunológico aparentemente fica abalado, ficamos mais suscetíveis a gripes, podemos sentir dores pelo corpo, dores de cabeça, taquicardia, náuseas… também os sintomas físicos fazem parte desse momento.
Sendo um processo de natureza individual, não existe um período de duração pré-estabelecido. No entanto, quando o luto se estende por um longo período de tempo e impede que a pessoa realize as tarefas de seu cotidiano e retome sua vida, é un sinal de que a pessoa precisa da ajuda de um profissional, pois o luto já se tornou patológico.
Ajuda para enfrentar o luto
A Psicanálise pode ajudar muito nesse processo de reorganização psicológica para o individuo suportar a nova situação. Normalmente a pessoa enlutada precisa falar sobre sua perda para conseguir elaborá-la. É importante também que ela se sinta acolhida e compreendida em sua dor. Aprender a lidar com cada etapa é necessário para ter forças e se readequar à nova fase da vida e seguir em frente.
A psicoterapia ajuda muito na organização mental, ao identificar quais os fatores que estão agravando o luto e oferecer meios para que se possa lidar com a situação de uma maneira mais assertiva.
A chance de uma transformação
O luto é um choque de realidade, quando ele acontece obriga a pessoa a rever valores. Faz você pensar sobre o tempo de vida que você gasta fazendo e pensando em coisas que não são essenciais. Então entrar em contato com a morte e com a possibilidade de perder as pessoas que ama acaba de alguma forma sendo transformador. Mesmo a noção de tempo pode acabar sendo relativizada – a gente não tem ontem, a gente não tem amanhã. De concreto e palpável temos apenas hoje para estarmos com quem a gente ama. A consciência da nossa finitude é que nos permite aproveitar da melhor maneira possível a nossa vida, aqui e agora.