O divã na psicanálise

Publicado dia 1 de dezembro de 2020

Jéssica Kuhn

Foi Freud quem introduziu em suas consultas o divã, que de simples mobiliário acabou se transformando no maior símbolo da psicanálise em todos os tempos. Mas o que talvez muitos não saibam é que Freud já usava o divã bem antes de criar a própria psicanálise.

O uso deste objeto de  remonta a um período anterior, quando Freud colocava o paciente deitado no divã para aplicar o método catártico e da ab-reação (descarga emocional que leva o indivíduo a reviver os sentimentos de eventos passados), onde através da hipnose, num estado de rebaixamento da consciência, ele dava ordens ou sugestões para que a pessoa conseguisse superar o seu sintoma; ou ainda, para que o paciente pudesse recorrer à recordações que em um estado de vigília não seria possível acontecer.

Mas tanto Sigmund Freud quanto Jacques Lacan atendiam seus pacientes sentados frente a frente, sem necessariamente passar pelo divã. Lacan, em certos casos, dividia a análise em entrevistas preliminares e marcava a entrada em análise propriamente dita pelo convite ao paciente para se deitar no divã. Cujo significado era: “a gente não precisa mais se olhar para ter uma relação produtiva com o inconsciente”.

Quatro motivos para Freud continuar usando o divã

A utilização desta peça oferecia alguns benefícios interessantes.

1° Pelo lado do paciente, o simbolismo que ela traz é incontestável, e para Freud ela ajudava a marcar a continuidade de uma trajetória como terapeuta que transcendia a sua própria teoria.

2°  Um segundo motivo encontrado por Freud para continuar utilizando o divã é que, ao deitar-se ali, o paciente adquire uma visão diferente do ambiente terapêutico, uma vez que o analista sai de seu campo de visão. E ao ficar desprovido da distração do olhar, isso pode favorecer o contato com emoções mais profundas, como também a sua externalização de maneira mais natural e espontânea.

3° O terceiro motivo diz respeito ao analista, mais especificamente à estafa que sentiria ao passar
entre oito e dez horas por dia olhando para seus pacientes, tentando manter-se o
mais neutro  possível  quanto à manifestação de suas próprias emoções.

4° O último motivo envolve a possível dispersão do olhar do psicanalista, distração esta que poderia afastá-lo da escuta. Afinal, “a cura pela fala”, como é definida a psicanálise, requer como essencial a escuta especializada do profissional.

O divã na clínica da atualidade

No entanto, é preciso também questionar a função do divã na clínica da atualidade.

A mera existência de um divã no consultório psicanalítico não significa que o paciente vai deitar-se e de imediato dar início ao seu processo de associação livre de emoções e pensamentos.

Normalmente as sessões têm início com o paciente sentando-se frente a frente com seu analista, e com o passar do tempo, ao sentir-se mais confortável para explorar áreas mais profundas de sua mente, é feita a transição para o divã, se ele assim o desejar.

O uso do divã não é essencial para o processo de análise e por isso não é obrigatório que o consultório do psicanalista disponha de um.

Muitos pacientes inclusive, sentem-se mais confortáveis na cadeira, sentados de frente para o analista, olhando para ele. E assim, deixam de ir para o divã. Cada caso é um caso e o sujeito deve ser respeitado em sua individualidade. O divã, portanto, não é imprescindível para o consultório psicanalitico, nem mesmo para as técnicas de hipnose utilizadas por Freud.

Ao deitar-se no divã, a troca e a interação com outro ser humano através do olhar e da linguagem corporal são perdidos. E em alguns casos, é extremamente importante para o analisando estar vendo o analista, especialmente em casos de transtorno de ansiedade, ou de pessoas mais inseguras que precisam ter a ideia do controle da situação para se sentirem mais confortáveis. A retirada dessa sensação de controle pode até inviabilizar a análise, por exemplo.

O uso do divã pode e deve ser opcional. Estar aberto a novas formas de trabalho e de possibilidades é o que dá espaço à criatividade, ao novo, à evolução.

Atualmente, na clínica estamos experienciando novas formas de setting (ambiente) terapêutico, que também têm trazido ótimos resultados. Como, por exemplo, as sessões online, que além de dispensarem o divã, ocorrem por meio de uma tela de computador ou de celular. Nesta interface que conecta dois ambientes inteiramente separados,  paciente e analista se encontram e reúnem em uma autêntica relação terapêutica.

É imprescindível o uso do divã? Não. O que é fundamental é a criação de um espaço, um ambiente de confiança, segurança e empatia, a ponto do analisando conseguir se sentir confortável para relaxar e abrir as portas do seu inconsciente.

Curiosidade: o famoso divã de Freud

O famoso e icônico divã de Freud foi um presente de agradecimento de uma paciente chamada Madalena Benvenisti por volta de 1890, e acabou se tornando parte do mobiliário do escritório de Freud. Hoje ele ainda pode ser visto no Museu de Freud, em Londres.

Em 1938, com a ocupação nazista na Áustria, Freud e sua família refugiaram-se em Londres. Freud conseguiu levar todos os móveis da casa, inclusive o famoso item que lhe fora presenteado. O pai da psicanálise tratou mais de 500 pacientes, e a maioria deles se deitou nesse divã.

A sua filha caçula, Anna Freud, a única de seus filhos a seguir sua profissão, permaneceu na casa até 1982, quando veio a falecer. Ela havia manifestado seu desejo de que a casa virasse um museu em homenagem ao seu pai. E em julho de 1986, o museu foi aberto ao público.