O tempo de cada um
Publicado dia 18 de janeiro de 2022
Jéssica Kuhn
Estamos acostumamos a pensar no tempo de forma cronológica, seqüencial, com passado, presente e futuro, um tempo irreversível, um tempo que passa.
E na memória como um arquivo de lembranças que ficam guardadas e disponíveis para o momento no qual precisamos delas e queremos reencontrá-las.
No entanto, para a Psicanálise, tanto o tempo quanto a memória são compreendidos de outra forma, uma forma bem mais complexa.
A psicanálise trabalha com o inconsciente. O inconsciente não respeita tempo nem espaço, suas leis são outras. O tempo do inconsciente não é um tempo que passa, é um “outro tempo”, o tempo da “mistura dos tempos”, o “tempo da ressignificação”.
Freud, através do conceito do inconsciente, desfaz a idéia de uma causalidade linear, de um passado que determina um presente. E nos mostra, por exemplo, que acontecimentos no passado podem inclusive “re-acontecer” no presente, por vários motivos.
Há no psiquismo o tempo do “après-coup” (“só depois”), conceito freudiano fundamental que fala sobre a idéia de um passado que não é fixo, mas que se ressignifica no presente.
E há também, no psiquismo, uma outra relação entre passado e presente, onde a imobilidade impera: “o eterno retorno do mesmo”. “Neurose de destino”, como disse Freud. Aqui a expressão “o tempo não passa” ganha toda a sua força.
A história de cada indivíduo não é, portanto, uma linha reta, mas é uma realidade psíquica que não coincide totalmente com a realidade material ou temporal.
O tempo em 3 tempos
Os gregos antigos já possuíam três conceitos para representar o tempo: “khrónos”, “kairós” e “aíôn”.
Eles nos ajudam a compreender o tempo na sociedade contemporânea.
Sem dúvida, o que se tornou mais conhecido foi “khrónos” (“chronos” ou “cronos” – ambos derivam de figuras da mitologia grega (a primeira delas um deus e a segunda um rei titã), que acabaram mais tarde sendo confundidas e representadas como uma só), de onde se originam vários termos hoje empregados em questões relacionadas ao tempo, como “cronologia”, “cronômetro”, “cronograma”…
Na mitologia grega, Chronos/Cronos castrou o pai para tomar-lhe o poder e depois viveu ameaçado pela profecia de que seria destronado por um de seus filhos, passando então a devorá-los um a um.
Conceitualmente, “cronos” é o tempo que mede, o tempo que utilizamos em nosso cotidiano e pelo qual somos devorados diariamente. Um tempo cruel e implacável, de características destrutivas, que a tudo consome.
“Aion”, por sua vez, não tem uma medida precisa, é o tempo do sentido. Um tempo indefinido, imensurável, relacionado à intensidade da vida humana, sem início nem fim, ao mesmo tempo próximo das ideias de eternidade e efemeridade. Um tempo que incluiria um passado e futuro ilimitados, sendo o tempo dos acontecimentos incorporais. Um tempo, digamos assim, abstrato, que se contado o seria em eras.
Já “kairós”, em relação ao tempo, significa um “momento crítico”, “oportunidade”, uma brecha de tempo em que algo acontece. Kairós exige atenção e prontidão, um tempo que pode se perder caso não estejamos prontos para ele.
A sociedade contemporânea vive sob o domínio implacável do rígido Cronos. É o tempo marcado pelo relógio: passado e presente e futuro. Ele nos captura em uma experiência intensamente ligada à velocidade, à pressa e à linearidade (começo, meio e fim).
As dimensões de nosso tempo
Mas Freud e a psicanálise nos abrem a possiblidade de perceber que o tempo do inconsciente é uma mistura de tempos. E assim, podemos vivenciar um pouco da eternidade e da efemeridade de Aion, e um tanto do instante de Kairós.
Aqueles que já ingressaram em um processo de análise, certamente vivenciaram essas outras facetas do tempo e da memória. E sabem por experiência própria que o nosso inconsciente nos surpreende a cada dia. E que sempre há tempo de se viver melhor.
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