Pandemia – um medo coletivo e individual

Publicado dia 22 de abril de 2020
Jéssica Kuhn
 
Você já parou para pensar em como está se sentindo nesses tempos de isolamento social? Estar ciente de suas emoções, reconhecer e nomear seus sentimentos ajuda a melhor compreendê-los e saber lidar com eles. Sim, esse é o primeiro passo para ter o domínio sobre suas emoções – o que, por sua vez, fortalecerá a sua segurança emocional e sua saúde como um todo.
 
 
 
Nesse momento em que o Brasil e o mundo vivem a pandemia do coronavírus, uma multiplicidade de sentimentos se coloca à nossa frente. Insegurança, medo, ansiedade e, sobretudo, luto.
Você que nos acompanha há mais tempo vai lembrar que já falamos aqui – no caso, eu, Jéssica Kuhn, no artigo “Luto – um processo a ser compreendido” (www.i-psi.org/post/luto-um-processo-a-ser-compreendido) – sobre ele. O contexto atual faz com que retomemos aquela conversa, afinal o luto está, sim, presente agora. Muitos tipos de luto ao mesmo tempo.
O virus nos ameaça com inúmeras perdas de todo tipo. O distanciamento social está nos obrigando a ficar separados das pessoas queridas por semanas e possivelmente meses. As celebrações e rituais da vida, desde batizados a casamentos, aniversários e funerais estão sendo adiados ou cancelados. Há o luto das escolas e universidades fechadas, o luto das happy hours com os amigos, do treino na academia, etc. Enfim: o luto pela perda da nossa rotina e da normalidade de nossa vida como a conhecíamos.
Entre a preparação e o sofrimento desnecessário
E como se não bastasse, ainda há o luto antecipado, que é aquele que sentimos quando há uma ameaça de perda! Quando, por exemplo, pensamos na morte dos nossos pais, ou quando recebemos um aviso de demissão ou o diagnóstico de alguma doença debilitante ou letal.
O termo “luto antecipatório” ou antecipado foi utilizado pela primeira vez pelo psiquiatra Erich Lindemann em 1944, observando as esposas de soldados que iam para a guerra. O fenômeno trata das experiências e reações emocionais que temos diante de uma perda ou de uma morte anunciada. É o luto que vem da insegurança sobre o futuro.
Esse luto antecipado pode ser ou não saudável. Saudável, quando por exemplo recebemos o aviso prévio de demissão e já começamos a economizar e buscar alternativas de trabalho. Já o luto antecipado patogênico (não saudável) é a mente indo para o futuro imaginando o pior cenário – o que nos leva para a ansiedade.
Tempos de incerteza compartilhada
Como disse recentemente o autor David Kessler, que se especializou em luto e escreveu livros com a psiquiatra Elizabeth Kübler-Ross: “Eu acho que não tínhamos perdido coletivamente o nosso senso geral de segurança como nesse caso. Individualmente ou em pequenos grupos, pessoas já sentiram isso. Mas todos juntos é algo novo. Estamos em luto em nível micro e macro”.
Um outro aspecto particularmente perturbador nessa pandemia é não sabermos quando o isolamento acaba ou quando ela própria termina. Mas como tudo na vida, ela também irá passar. A humanidade já experienciou várias pestes/epidemias e sobreviveu a todas elas. O mundo não acabou. Embora saibamos que nem todos os indivíduos sairão ilesos, lembrar que a espécie provavelmente irá permanecer ajuda a reduzir a sensação de destruição iminente pairando sobre nossas cabeças e ameaçando o futuro.
Relembrando, no texto publicado em 31 de outubro de 2019 (“Luto – um processo a ser compreendido” – Jéssica Kuhn) dizíamos que os estágios do luto não aconteciam de uma maneira linear e nem seguiam necessariamente uma ordem. E uma boa maneira de entender e gerenciar as suas emoções é identificar os diferentes estágios do luto que estamos atravessando nesta pandemia.
As cinco etapas do luto na pandemia
Vamos, então, conferir as cinco etapas do luto, e compreender como elas se aplicam ao momento que estamos vivendo.
O luto é um processo que se manifesta através de cinco estados, ou fases: negação, raiva/culpa, negociação, depressão e aceitação.
• Negação: esse vírus não é tudo isso
• Raiva: vocês estão nos fazendo ficar em casa e nos privando de muitas coisas
• Negociação: se estabelecermos o isolamento social, tudo vai melhorar!
• Depressão: eu não sei quando isso irá terminar e nem o que será de nós.
• Aceitação isto está acontecendo e eu vou ter que aprender a lidar com a situação
É na aceitação que se encontra o nosso poder e o nosso domínio, a autonomia para praticar alguma intervenção com consequências: posso lavar as minhas mãos e manter uma distância segura, e estarei em segurança.
O que fazer com as emoções nessa hora?
Existem algumas dicas úteis de como lidar com este momento e ter um melhor domínio sobre as próprias emoções.
• Pense e foque no que você pode controlar: estou me cuidando, seguindo todas as orientações
• Pense em como você pode abrir mão daquilo em que você não tem como interferir: você não tem controle sobre o seu vizinho, que sai a toda hora, por exemplo. O que ele faz está fora do seu controle. Mas está no seu controle ficar longe dele e lavar suas mãos, foque nisso.
• Quando vierem pensamentos e sentimentos negativos, de pânico e desespero, force-se a achar a resposta positiva e tranquilizadora para eles. Lembre-se: nenhum cenário deve ser ignorado, mas também nenhum deve dominar. Pense, por exemplo: não vai morrer todo mundo, nem todos que adoecem têm o agravamento da doença, mesmo os que veem seus estados de saúde agravados, nem todos esses irão morrer. Estamos tomando todas as providências, seguindo as orientações corretamente para não nos infectarmos.
• Não fuja dos seus sentimentos. Permita-se senti-los e assim identificá-los, aprendendo a lidar com suas emoções.
• Seja paciente com as pessoas. Cada um está tentando lidar com esse momento a seu modo.
Não há dúvida de que estamos passando por um momento histórico e desafiador. E, com certeza, todos nós temos muito a aprender com ele. E lembre-se: tudo passa. Esse período também irá passar.
Não deixe de procurar ajuda profissional se você não estiver conseguindo controlar suas emoções. A Psicanálise pode te ajudar a manter-se emocionalmente equilibrado nesse momento.
Deixe seus comentários aqui. É muito importante para nós a sua opinião, a sua experiência. Nós, da i-PSI, queremos saber como você está sentindo esta situação.