Para se ter um bom ano novo
Publicado dia 28 de dezembro de 2021
Maria Zélia Souza
Escrever sobre um novo ano, um ano totalmente novo, num momento em que o mundo é um ponto de interrogação, onde nossas certezas estão abaladas, onde o que era já não é mais, onde tivemos que fazer muitas despedidas, elaborar muitos recomeços, nos afastar para nos aproximar depois, um ano novo que traz tantas expectativas geradas a partir de tantos pedaços de vida não vividas, é um grande desafio.
E nas minhas mais profundas reflexões fui buscar a ajuda dos poetas da nossa Língua Portuguesa, afinal os poetas pensam com o coração.
Eles são capazes de sonhar, a partir da dor, eles buscam sentido e amor, eles refletem sobre a vida, são atemporais, se olham por dentro, buscam a profundeza do ser.
E é com o coração, a mente não, que queremos deixar aqui, a primeira mensagem da i-PSI do ano novo, do novo ano.
Não é uma mensagem que diz “Dez maneiras de começar o ano com pé direito”, mas uma mensagem de reflexão, de buscar um sentido, e desta forma, viver bem o ano que vem, do seu jeito, da forma que você acredita, da forma que lhe faz bem e dentro daquilo que você escolher, porque só você sabe o que é bom para você.
E como no campo da poesia vale sonhar, vou começar dialogando com Drummond e sua poesia “CORTAR O TEMPO”, porque ela fala de esperança e renovação, tudo o que precisamos neste momento:
“Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano,
Foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
Com outro número e outra vontade de acreditar
Que daqui para adiante tudo vai ser diferente.”
Será que vai, Drummond?
Você mesmo, em outro momento, nos fez perceber que não haverá renovação se ela não acontecer dentro de nós, na sua poesia “RECEITA DE ANO NOVO”:
“Para ganhar um ano novo que mereça este nome, você meu caro, tem de merecê-lo
Tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil.
Mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o ano novo cochila e espera desde sempre.”
Concordo com você, Drummond, não adianta somente renovar a esperança se eu ficar parada na beira do caminho, aguardando que tudo mude lá fora.
O poeta Ferreira Gullar me fez refletir e confirmar que nada muda lá fora em sua poesia “ANO NOVO”:
“Meia noite, fim de um ano, início de outro.
Olho o céu: nenhum indício.
Olho o céu: o abismo vence o olhar.
O mesmo espantoso silêncio da Via Láctea feito um ectoplasma
Sobre a minha cabeça: nada ali indica que um ano novo começa.
E não começa nem no céu nem no chão do planeta
Começa no coração. ”
É Drummond, o poeta Ferreira Gullar veio depois de você, e nos trouxe a ideia de que é na coragem e na ação (coração) que o ano se faz novo, porque nada muda lá fora, só dentro de nós.
Recorro também à brilhante poetisa Cecília Meirelles na sua poesia “RENOVA-TE”, quando ela fala sobre isto, sobre esta coragem de renascer, de destruir o que não serve mais dentro de nós, e buscar novas visões, novos significados, coragem de ser outro, diferente de mim, para ser eu mesmo:
“Renasce em ti mesmo, multiplica os teus olhos para verem mais.
Multiplica os teus braços para semearem tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto
Cria outros, para visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado, para se esquecerem de colher,
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro.
Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.”
E não posso deixar de trazer o grande poeta Fernando Pessoa, na sua poesia “ANO NOVO”, pois ele confirma também o que você e Ferreira Gullar e Cecília Meirelles disseram, Drummond, lá fora continua tudo exatamente igual, os dias vão se suceder, e se eu nada fizer, vai passar:
“Ficção de que começa alguma coisa!
Nada começa, tudo continua.
Na fluida e incerta essência misteriosa
Da vida, flui em sombra a água nua.
Curvas do rio escondem só o movimento
O mesmo rio flui onde se vê.
Começar só começa em pensamento.”
E nós, psicanalistas, Drummond, trabalhamos para permitir que o indivíduo ouse viver o seu desejo, sua essência, sua singularidade, sua liberdade, se reconstrua a cada dia, e é por isto que termino aqui com um trecho da poesia de Miguel Torga, intitulada “RECOMEÇO”, desejando que cada ser humano deste planeta tenha a capacidade de se renovar internamente a cada 365 dias do novo ano, tendo a coragem de viver sua individualidade, aproveitando cada oportunidade que passa à sua frente, carregando na mochila seus potenciais já desenvolvidos e indo em busca de novos potenciais, vivendo no hoje, não no amanhã, navegando no doce fluir da vida, para que quando finde sua viagem, perceba que valeu a pena viver.
Aproveitemos cada dia do novo ano!!
“Se puderes sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres, nesse caminho duro do futuro,
Dá-os em liberdade
Enquanto não alcanc
Não descanses
De nenhum fruto queira só metade
E, nunca saciado
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar
Sempre a sonhar e vendo o logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…”
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