Sua personalidade eletrônica

Publicado dia 11 de maio de 2021

Jéssica Kuhn

À medida em que nos encontramos cada vez mais reclusos e mais ligados na Internet, as nossas interações pela rede aumentam e com isso aumentam também as chances de criação de uma identidade diferente daquela que temos na vida real: a personalidade eletrônica (ou e-personalidade, se você preferir).

Se a e-personalidade não é exatamente real, esta identidade eletrônica, digital, não deixa de ser e estar bem viva.  Às vezes ela parece até ter vida própria!

É quando, sem uma intenção específica e de maneira inconsciente, parece surgir um estilo de ser mais feliz ou mais confiante, muitas vezes bem diferente de como nos comportamos com as pessoas e as questões do nosso dia-a-dia, com os desafios que nos são impostos pela vida.

Personagem de si mesmo

A e-personalidade atua como se fosse uma força que impele os indivíduos a ultrapassarem as limitações de sua vida real. Os tímidos, por exemplo, se permitem falar coisas que não se autorizariam numa relação presencial, cara a cara. E assim mostram e usufruem da tal almejada desinibição.

A personalidade eletrônica permite criar um personagem de si mesmo, ou de alguém que você gostaria de ser no mundo virtual. E assim é dada a oportunidade para que as vivências da vida virtual possam se sobrepor às limitações encontradas no cotidiano.

Alguns inclusive, ao assumir esta “nova identidade”, chegam a ter um comportamento totalmente reprovável.

Essa versão virtual funcionaria como um complemento à nossa verdadeira personalidade. Inclusive, poderia ser entendida como um modelo “melhorado” de nós mesmos, ao oferecer um sentimento de maior eficiência interpessoal.

Fica fácil entender o motivo pelo qual uma parcela expressiva dos internautas prefere viver na internet à vida real. Lá, eles conseguem “ser alguém”, além de terem uma autossuficiência até então não encontrada em sua vida concreta.

A supressão dos limites

A personalidade eletrônica costuma ser bem mais assertiva, menos contida, mais desobediente e bem mais sexualizada.

Ela parece nos acenar com o nosso antigo e persistente desejo de não nos vermos castrados. É como se nossa castração pudesse tirar uma folga sem grandes consequências e não fosse mais preciso nos preocuparmos com a etiqueta social, com as regras de comportamento civilizatório, etc.

Mas será mesmo que essa terra sem lei de liberdade prometida e desfrutável não traz consequências indesejáveis?

Se a sedução da e-personalidade é grande, o perigo que ela pode trazer também é.

A personalidade eletrônica é nociva?

Vale lembrar que todos precisamos de um pouco de fantasia, seja para alívio de nosso stress, seja como propulsora da criatividade ou até como “aquecimento” psicológico para as mudanças que desejamos fazer. Entretanto, saber diferenciar o real do imaginário é vital – e os jovens são os que mais sofrem com essa dificuldade. Muitas vezes é difícil para eles conseguirem fazer essa distinção.

Os jovens que naturalmente vivem períodos de insegurança próprios da idade podem mais facilmente se deixar levar por essa personalidade eletrônica, fazendo dela uma verdadeira “muleta” para as suas dificuldades reais. Especialmente no que diz respeito às dificuldades de relacionamento e criação de vínculos afetivos mais duradouros. As conexões digitais podem nos oferecer a ilusão da companhia, sem as demandas de um verdadeiro envolvimento emocional.

Vale lembrar  também que o custo de ser tão feliz e tão poderoso(a) na internet pode ter um alto preço. Conflitos na família, no trabalho e nas relações pessoais são alguns dos impactos já observados como o resultado do sucesso eletrônico.

Em tempos de internet e de conexão virtual, a vida digital pode ser libertadora mas igualmente aniquiladora. É quando o custo dessa reinvenção biográfica pode sair muito caro. Cuidado, pois ela pode muito facilmente se transformar em uma muleta eletrônica, engessando nossas deficiências concretas.

A pergunta que fica então é a seguinte: estamos nos beneficiando com as e-personalidades ou apenas nos distanciando cada vez mais daquilo que realmente somos? Para pensar!

E você? Existe uma versão eletrônica de sua personalidade? Seu perfil, seu e-mail, seu blog, mostram quem você realmente é? Ou você sente sua personalidade on-line mais interessante do que sua personalidade off-line? Se sua resposta for positiva, é exatamente aí que mora o perigo.

A psicanálise é a ferramenta mais eficaz para lidar com as suas dificuldades e fazer você ir ao encontro de si mesmo, fortalecendo-o para lidar com os desafios todos de uma vida real. Não se esconda atrás da máquina. Você é bem mais do que isso.