i-PSIne 🎬:
“Clair obscur”
Nacionalidade: Turquia, Alemanha
Ano: 2016
Direção: Yesim Ustaoglu
Gênero: Drama
Duração: 1:45
Plataforma: Netflix
Neste filme turco com produção alemã, a diretora Yesim Ustaoglu traz o foco para os conflitos internos das mulheres na sociedade turca. Mas é mais do que isso, pois ela trata de forma universal das possibilidades e das limitações que as mulheres enfrentam ainda hoje.

O enredo traz duas protagonistas: a doutora Chenaz (Funda Eryigit) e a jovem Elmas (Ecem Uzun). Uma é psiquiatra e vive com um parceiro de longa data. A outra, oprimida por tradições sexistas, é esposa em uma família conservadora, quase tirânica. Duas mulheres que têm mais em comum do que poderiam supor.
Essas histórias paralelas foram trabalhadas à perfeição e se entrelaçam uma à outra. Ambientado na costa mediterrânea da Turquia, que é mostrada em ambientes opostos, o filme se centra nas duas protagonistas. E assim vai traçando suas distintas personalidades, ambas lutando por escapar da falta de amor e das relações asfixiantes, e que antepõem suas necessidades pessoais às expectativas da sociedade e às solicitações de seus casamentos e companheiros.
Chenaz é uma mulher de pensamento liberal, uma psiquiatra com uma carreira bem sucedida que se sente amarrada em uma relação amorosa que, embora pareça invejável, não lhe proporciona satisfação emocional. Elmas, por outro lado, é uma jovem que se sente abandonada por sua família, sendo forçada a um casamento arranjado, que subjugou sua personalidade às normas da religião e da tradição.
As duas mulheres se conhecem no hospital. Chenaz ajuda Elmas a superar uma traumática experiência, animando-a a passar por um doloroso processo em que precisará encarar os seus medos de frente e olhar para as coisas em perspectiva, algo difícil de conseguir para ela. A cena em que Elmas luta por imaginar uma conversa com sua mãe, interpretada de modo cativante por Uzun, é verdadeiramente comovente.
Ustaoglu utiliza de modo magistral os cenários naturais da costa mediterrânea, capturados pelo fascinante estilo cinematográfico de Michael Hammon (com quem a diretora trabalhou em “Araf – Somewhere in Between”, de 2012), para refletir o estado mental das duas mulheres. O mar agitado e as tormentas invadem o espaço emocional, o que as anima a assumir o controle de suas próprias naturezas. A sexualidade feminina se encontra no centro desta obscura e poética história. Enquanto que para Elmas o sexo é uma dolorosa experiência que deve suportar para ter filhos, Chenaz se sente encurralada em uma vida sexual ditada pelo desejo de controle e auto-controle de seu companheiro.
Os delicados pontos tratados no longa são válidos não só para a Turquia, mas também para as mulheres de todo o mundo: o que elas devem querer de uma relação e a necessidade de deixar de desculpar-se por pedir mais da vida quando se sentem abandonadas e (ab)usadas.
O filme habilmente desvenda os mecanismos pelos quais, apesar de todos os direitos e avanços conquistados pelas mulheres no mercado de trabalho, abusos ainda acontecem em famílias e sociedades machistas, sem que sequer sejam percebidos como tal – e se “não há abuso”, não há motivo para questionamento ou confronto. É quando entra em cena a culpa, que é mais uma opressão, expondo a violência psicológica que se junta à verbal, à física, à sexual.
Então prepare-se: a atmosfera do filme é um tanto pesada – como o próprio processo de tomada de consciência.
Lisa